Artigo: A banalidade do dano moral na Justiça do Trabalho

Na década de 70,a filósofa Hannah Arendt, em seu livro “Eichmann em Jerusalém”, sintetizou seu pensamento na expressão “banalidade do mal”, que, no contexto do julgamento de Otto Adolf Eichamnn pelos crimes cometidos durante o regime nazista, reflete a atitude das pessoas que se tornam incapazes de fazer avaliações morais e indiferentes para as situações que presenciam no dia a dia.

E o que isso tem a ver com o dano moral ou extrapatrimonial? A resposta é simples, porém, para muitos, de difícil percepção. No âmbito trabalhista, o dano moral tornou-se um dos grandes males a ser combatido pela reforma, sendo mais um custo a ser suportado pelo empregador acionado na Justiça do Trabalho.

É necessário, porém, relembrar que a indenização por dano moral foi uma das grandes conquistas asseguradas pela Constituição, como direito fundamental de todos os cidadãos, inclusive dos trabalhadores. Significa reconhecer o valor da dignidade da pessoa humana, ou seja, que todas as pessoas são titulares de direitos e que esses direitos dos cidadãos também merecem ser reparados quando violados, ainda que não possuam representação monetária.

Trata-se de uma conquista histórica que se fortaleceu após a 2a Guerra Mundial, diante das barbáries praticadas pelo regime nazista contra os povos considerados “inferiores”. No Brasil, a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos atingiu seu ápice com a Constituição Cidadã, fruto de um movimento garantista presente na Constituinte, em resposta às reiteradas violações de direitos humanos na ditadura militar.

O que se observa, porém, é que a dignidade da pessoa humana e a luta de décadas que resultaram no reconhecimento da plena reparação do dano extrapatrimonial foram desconsiderados pelos legisladores na reforma trabalhista, ao estabelecer valores máximos de indenização a serem fixados pelo Juiz.

Um dos preceitos basilares decorrentes da dignidade da pessoa humana é o de que todos os sujeitos são iguais titulares de direito. Pela nova legislação trabalhista, aspessoas deixam de ser iguais em direitos, mas simples objetos valorados de acordo com o seu salário. Vale dizer, o trabalhador que ganha menos é menos digno para o ordenamento jurídico do que aqueleque recebe mais.

A limitação dos valores das indenizações claramente não materializa a dignidade da pessoa humana, tampouco o princípio constitucional da reparação integral, pelo contrário, aprofunda as desigualdades entre os cidadãos, ao tornar os direitos dos trabalhadores simples objetos a serem quantificados pelo empregador. Não obstante, a sociedade mostra-se inerte em relação a este problema, tal como definido por Hannah Arendt em sua feliz expressão: “banalidade do mal”.

Leonardo Ono

Procurador do Ministério Público do Trabalho/PRT 11

Artigo originalmente publicado no Jornal Folha de Boa Vista no dia 25/09/2017

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