Abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes: por que devo me interessar?

“Se uma menina de 12 anos chega grávida no posto de saúde, mas está acompanhada pelo avô, de 50 anos, e este diz que vai assumir a criança, há a aceitação disso como algo normal. Não entendem que isto é casamento infantil, pois ficando com ele a adolescente vai acabar sendo violada sexualmente e que o corpo dela não está preparado para uma relação marital”. Este é apenas um dos muitos relatos feitos pela irmã Eurides Alves de Oliveira, da Rede Um Grito Pela Vida, no encerramento do Projeto Mobilizar e Agir, nos dias 8 e 9 de maio, no auditório da Secretaria de Assistência Social do Estado do Amazonas (SEAS), em Manaus.

No evento, mais de 100 agentes de proteção de crianças e adolescentes se reuniram para apresentar o relatório final de diagnóstico realizados pelo Projeto nos municípios de Benjamin Constant, Iranduba, Manacapuru, Presidente Figueiredo, Tabatinga, Rio Preto da Eva e São Gabriel da Cachoeira.

Na primeira parte do encontro foram expostas as principais denúncias e os fatores de riscos às violações de direitos de crianças e adolescentes, a identificação da rede de proteção, seus projetos e ações desenvolvidas e, por último, a identificação das principais dificuldades/lacunas/demandas da rede de proteção de cada município. Na segunda parte aconteceu a troca de experiências com professores doutores, mestres e profissionais da rede com larga experiência e comprometimento com a infância e adolescência no Estado do Amazonas.

Para Amanda Cristina Ferreira, coordenadora geral do projeto, o momento foi de consolidação com a devolutiva daquilo que foi pesquisado nos municípios, possibilitando traçar os passos para o fluxo da atenção e da mobilização. “O projeto tinha como objetivo mobilizar e agir. Na questão da mobilização, precisamos sensibilizar as pessoas, incluindo as que estão na base - Conselho Tutelar, Delegacia, Saúde, Assistência- para ter um olhar diferenciado desta criança e deste adolescente que tem seus direitos violados. No agir, digo que é a partir dessas pessoas sensibilizadas que podemos praticar ações diferenciadas nas proteção das crianças e adolescentes”, destaca Amanda, revelando ainda que o diagnóstico da rede foi qualitativo, com uma atenção especial de pesquisar como a rede se enxerga nesse sistema de proteção. “A nossa grande surpresa foi descobrir que as pessoas não se enxergam dentro da rede e que elas apontam até um caminho, mas não conseguem entender que ela faz parte desta rede e que são peça fundamental neste processo. Se o sistema tem que mudar, primeiro quem tem que mudar são as pessoas, pois são elas que vão colocar o sistema pra funcionar”, destaca.

Por que devo me interessar por este assunto?

Porque o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime, portanto, prevenir e denunciá-lo é um ato de cidadania.

O abuso sexual é uma triste realidade que ocorre em todas as classes sociais, independentemente do nível de escolaridade. Há, porém vários fatores que alavancam o número de casos de violação de direitos infanto-juvenis: a pobreza, a exclusão e a desigualdade social. Também contribui a falta de conhecimento sobre os direitos de crianças e adolescentes.

A violação desses direitos é “múltipla e variada”, declara irmã Eurides. “A questão do abuso sexual das crianças e adolescentes, tanto no interior do Estado do Amazonas, quanto nas comunidades indígenas, comunidades ribeirinhas e cidades é muito alto. No que se refere à exploração sexual há uma relação com o alto índice de gravidez na adolescência. Nós encontramos municípios onde 30 a 35 por cento dos partos/ano são de adolescentes de 11 a 14 anos. A sua grande maioria é fruto de estupro coletivo de vulnerável. E isto é muito grave”, declara, enfatizando que na visão da sociedade e muitas vezes da própria rede, não há relação entre violência e gravidez. “Acho que compreender isso como violência, como exploração, como estupro de vulnerável é um avanço da nossa compreensão das violações de direitos que desrespeitam a liberdade”, desabafa.

Essa situação descrita pela irmã em São Gabriel da Cachoeira não é diferente do que acontece em Atalaia do Norte, município que participou das capacitações da rede. Nos relatos de Odemário José Nogueira, assistente social do CREAS, no município que atua há dados alarmantes. “Somente no mês de abril tivemos 17(dezessete) casos de violação de direitos da criança e do adolescente. Seis (6) desses casos são de abusos e exploração sexual (faixa etária de 5 a 13 anos de idade), cometidos por membros da família ou amigos próximos, pessoas de dentro do ciclo de convivência da criança, com o conhecimento da mãe. O município foi notícia com repercussão nacional e internacional no último dia 16 de abril, quando foi exposto o caso de uma criança de origem peruana, com paralisia cerebral, que veio à óbito e no relatório médico foi constatado o abuso sexual dentro da unidade hospitalar. Após esse episódio a delegacia, o conselho tutelar e o CREAS passaram a identificar outros casos, contando com a ajuda dos professores e dos agentes de saúde.

Projeto Mobilizar e agir

Realizado pelo IACAS (Instituto de Assistência à Criança e ao Adolescente Santo Antônio), com financiamento total do MPT, tendo como parceiros o Comitê de Enfrentamento a Violência Sexual-AM, Cáritas e o Fórum Peti/AM, o Projeto Mobilizar e Agir teve como proposta articular e fortalecer a rede de proteção local com base nas ações já existentes e reforçar as políticas públicas de proteção e promoção dos direitos humanos de crianças e adolescentes, destacando o trabalho infantil e a exploração sexual comercial.

Maria Cristina Lima, psicóloga, que atende no DSEI (Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena), com abrangência nos municípios de Tabatinga, Benjamin Constant, Tonantins, Santo Antônio do Içá, Amaturá e Japurá, testemunhou a importância do Projeto Mobilizar e Agir. “O Projeto trouxe mais ânimo, fortalecendo a rede em Tabatinga com o incremento do grupo de trabalho que estava parado. Hoje estamos nos reunindo (Ministério Público, Polícia Militar, delegacias, Fórum do Juizado da Criança e do Adolescente, Conselho Tutelar, DSEI, CRAS e CREAS) para estudo de casos, levantando a bandeira para a proteção das crianças e adolescentes.

Quando fala das necessidades e dificuldades Cristina destaca que Tabatinga, por ser município de fronteira, apresenta alto índice de exploração sexual de adolescentes e aliciamento para o uso e tráfico de drogas.

Esperança em São Gabriel da Cachoeira

São Gabriel da Cachoeira, com representantes do CMDCA, Conselho Tutelar, SEMSA e SEMAS no encontro, tem gravíssimos problemas de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. A irmã Maria Lucélia, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de São Gabriel, relatou a triste realidade das crianças e adolescentes. “Pelo poder público municipal pouco se faz. Não existe acolhimento nem preocupação em registrar, combater e acolher. O abrigo acaba de ser fechado e o Conselho Tutelar funciona com muita precariedade”, denuncia Lucélia, que expôs também outras violações, como por exemplo o fato de ter visitado mais de 10 comunidades e em nenhuma delas havia começado o período letivo de 2019, isto em pleno mês de março. Quanto aos abusos sexuais, “há muitos estupros cometido pelos membros da família, isto tudo provocado por negligência ou abandono da própria família”, disse.

Apesar da gravidade da situação, a irmã Lucélia tem esperança de que a partir do Projeto Mobilizar e Agir haverá a revitalização das políticas públicas para assistir as crianças e adolescentes do município.

Ministério Público

Para o Ministério Público do Trabalho no Amazonas foi muito importante participar do Projeto Mobilizar e Agir, pois “ao mesmo tempo em que conseguimos dar subsídios técnicos orientativos para os agentes do interior que são responsáveis pelo atendimento de crianças e adolescentes que são vítimas de violência sexual, conseguimos obter dados específicos sobre a situação da rede de atendimento em 07 municípios do interior do Amazonas. Precisamos mudar a realidade e acabar com uma das piores formas de trabalho infantil que é a exploração sexual com fins comercial de crianças e adolescentes, somente através de uma rede de atendimentos estruturada e articulada, com serviços integrados que conseguiremos avançar”, enfatizou a procuradora do Trabalho do MPT/PRT11, Alzira Melo Costa, Coordenadora Regional da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do trabalho da Criança e do Adolescente).

 

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