Artigo: A reforma da reforma trabalhista

No último dia 11 de novembro entrou em vigor a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), concebida pelos seus defensores para dar segurança jurídica às empresas e aos trabalhadores.

No dia 14 de novembro, foi aprovada a Medida Provisória nº 808, alterando diversos dispositivos da reforma.

Certamente, não há discurso de segurança jurídica que resista diante de uma lei que tem trechos que tiveram vigência por apenas três dias.

Dentre as novidades da MP, temos a retirada da previsão generalizada de acordo individual para estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso. A previsão continua valendo para as entidades atuantes no setor de saúde, estabelecendo uma discriminação inaceitável. Por que os profissionais de saúde, geralmente expostos a condições insalubres, podem realizar jornadas tão extensas e ainda com indenização do intervalo intrajornada? A vida e a saúde desses trabalhadores valem menos do que a de outros? O bem que esses profissionais tutelam (a vida e a saúde dos pacientes) não é suficientemente caro à sociedade? O que justifica a vontade individual desses empregados sobrepor-se ao interesse coletivo dessa categoria?

O parâmetro para fixação dos danos morais também foi alterado: ao invés do salário do trabalhador, foi previsto o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, atualmente R$ 5.531,31. A previsão continua discriminatória, porque pessoas envolvidas em um acidente ocorrido no ambiente de trabalho e que não sejam empregados poderão buscar indenizações superiores na Justiça Comum. Ademais, o STF já se manifestou quanto à impossibilidade da tarifação legal do dano extrapatrimonial, por ir contra o princípio da reparação integral previsto na Constituição e que deve servir de critério para o Judiciário.

A regra do afastamento da empregada gestante, enquanto durar a gestação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres foi reinserida na CLT. Contudo, será admitida a apresentação voluntária pela trabalhadora de atestado de saúde que autorize a sua permanência no exercício de suas atividades em ambientes com insalubridade em grau médio ou mínimo. Considerando que o afastamento das atividades importará na exclusão do pagamento do adicional de insalubridade, é possível que muitas empregadas optem por se manter em ambientes insalubres apenas para não perder o adicional, em prejuízo ao feto e patente violação ao princípio da proteção integral que a Constituição confere às crianças. A empregada lactante, por sua vez, somente será afastada das atividades insalubres em qualquer grau quando apresentar atestado de saúde que recomende o afastamento, o que também tende a não ocorrer, pela prevalência natural que acréscimos financeiros, ainda que ínfimos, costumam ter na vida das pessoas.

Quanto ao trabalhador autônomo, a MP vedou a cláusula de exclusividade e deixou expresso que, quando presente a subordinação jurídica, ou seja, quando quem determina a forma como o trabalho será exercido for a empresa e não o trabalhador, será reconhecido o vínculo empregatício.

O contrato de trabalho intermitente sofreu diversas alterações, como a exclusão da multa pelo não comparecimento injustificado após a aceitação da oferta e a rescisão automática do contrato no caso de não haver convocação pelo prazo de um ano.

Tal como já havia sido previsto na lei que regulamentou a terceirização, foi vedada a contratação como empregado intermitente da pessoa que mantinha contrato de trabalho por prazo indeterminado com a empresa e foi demitida nessa condição. Todavia, a limitação foi estabelecida somente até 31 de dezembro de 2020.

A reforma da reforma excluiu a condição de segurado da Previdência Social dos empregados que não efetuarem o recolhimento ao INSS da diferença entre a remuneração recebida em qualquer tipo de contrato de trabalho e o valor do salário mínimo mensal. O empregado, que sempre foi segurado obrigatório da Previdência, passa a depender de contribuições adicionais para manter essa qualidade e computar o período como carência para concessão de benefícios, para as quais, certamente, não haverá recursos nos casos em que a renda é inferior a um salário mínimo.

A reforma da reforma também reinseriu na CLT os dispositivos que regulamentam a gorjeta e que haviam sido incluídos pela Lei 13.419/2017, mas que haviam sido excluídos “sem querer” da Lei 13.467/2017, o que evidencia que a técnica legislativa passou ao largo da reforma.

A negociação coletiva que tratar de enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em locais insalubres deve respeitar, na integralidade, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, de modo que graus de insalubridade previamente estabelecidos não podem ser reduzidos e nem jornadas de trabalho em locais insalubres estendidas sem autorização da autoridade competente, ainda que posterior à manifestação de interesse da categoria inserida no instrumento coletivo.

Por fim, a MP determinou que a Lei da reforma se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes... até a próxima reforma, no que não afrontar direitos adquiridos e de acordo com a interpretação que melhor se adapte ao propósito do Direito do Trabalho, que sempre foi a proteção do trabalhador.

Cirlene Luiza Zimmermann é Procuradora do Trabalho no Ministério Público do Trabalho.

Artigo originalmente publicado no Jornal Web Folha de Boa Vista no dia 18/11/2017

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